Eu sei que o movimento parece contrário. Há uma desordem
estabelecida porque uma regra foi quebrada. Crescemos acreditando que os filhos
deverão sepultar os seus pais, mas o contrário não. É como se a vida de repente
se perdesse dos trilhos, desviasse do caminho.
A Pietà é a expressão mais bela e mais aguda desta dor que
não tem nome, a dor estranha, de um parto às avessas. Sepultar um filho é um
jeito estranho de iniciar o sepultamento de si mesmo. Não há o que se negar....
Ver um filho ir embora de forma definitiva é ver partir um pedaço de sua essência.
É como enfrentar o desatino do mundo, sem a mobilidade das pernas.
Nos olhos da mulher sobrevive um silêncio, capaz de
comunicar mil palavras por minuto. Isso não tem nome. Dor que não tem jeito,
dor que não tem remédio que faça parar de doer. O filho já nasceu, já viveu e já
morreu.
A morte parece possuir o poder de paralisar o tempo, de
estacionar as horas, os dias, os meses, os anos. O sofrimento que fica pode ser
comparado a um grande baú, que não cabe em lugar nenhum da nossa casa.
Há uma inadequação entre o acontecimento e o nosso
sentimento. O fato é cruel. Seu filho está morto. Mas dentro de você essa
notícia não quer se acomodar. Seu filho está morto, mas a morte não combina com
maternidade.
Eu vi a dor. Eu vi a cor da morte, eu vi a ruptura de perto.
Eu vi dores diversas.
Só que é um fato inegável. Seu filho está morto e nós não
temos como mudar este acontecimento. Não creio que alguém tenha que ir embora
da nossa vida e que a sua partida seja em vão.
Organize o luto. É impossível superar uma dor como essa sem reconfigurar
a vida, sem aquele que se foi. É fundamental que o espaço seja reorganizado,
agora com essa ausência eterna.
Diante da perda nós temos duas possibilidades: ou reagimos
para alcançarmos algum bem com aquilo que perdemos ou estendemos a perda no tempo
e assim perderemos sempre, toda vez que lamentarmos aquilo que perdemos.
Mãe não precisa de terceiros para um contato com o filho que se foi. A autoridade afetiva maior já lhe foi dada. Não há estranho nesse mundo
que faça falar seu filho mais que você. Você o conheceu, você o amou, você foi o
primeiro colo que ele teve nesse mundo, você o viu dar os primeiros passos,
levantou das primeiras quedas, ouviu falar as primeiras palavras...
Quem vai embora sempre esquece alguma coisa naqueles que ficam. Eu tenho certeza de que muitas vezes você olhou seu filho nos olhos e disse a ele que o amava. Porque ao professar estas palavras, seu filho continua no meio de nós. Nessa expressão, toda a sua luta se confirma. Seu filho não pode morrer em vão, ressuscite-o pela força de sua vida bem vivida, reerga o corpo cansado e deixe que a sepultura lhe sugira crescimento ao invés de derrota. Ao erguer os olhos para a vida, a não aceitar morrer também, disso contém a sabedoria: já que não temos o poder de ressuscitar os mortos, seguimos, então, ressuscitando os vivos.
Compilado de vídeo
Padre Fábio de Melo