quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ariano Suassuna: o sertanejo universal


É pouco defini-lo como poeta, dramaturgo, teatrólogo, roteirista, romancista, filósofo. É mais honesto dizer que Ariano Suassuna é um sertanejo defensor de nossa cultura. Ouvi-lo falar é como estar lendo um de seus livros. Ariano está em seus textos e sua obra é Ariano. Ele pode ser, facilmente, qualquer uma de suas criaturas. Autor e personagens se entrelaçam; os sonhos de um se confundem com os do outro.
Nordestino bem intencionado, de alma bela, do tipo fiel à palavra dada, contundente e sincera honestidade intelectual, um tanto rude, de uma valentia doce e firme. Vê-se que não está cego para os equívocos oficiais de um Brasil sem identidade. É o emblema forte da região.
Socialista, abole todos os abismos, inclusive o entre o bem e o mal. No Auto da Compadecida, Nossa Senhora intervém em favor de João Grilo, com argumentos maternos, celestiais. Mas o nosso autor logo mostra, com a sutileza inteligente que lhe é peculiar, que o real interesse da mãe de Jesus está na promessa (envolvendo muito dinheiro) feita em terra por Chicó. Só Ariano tem o domínio deste limiar; só ele, por isso mesmo, é tão instigante e tão popular.
“A receita do meu teatro continua a ser essa fórmula, para mim mágica, que entrou em meu sangue na infância com a comédia brasileira, o drama, o romanceiro, os espetáculos populares e o circo. Ainda menino, no sertão da Paraíba, o palco mágico e festivo do teatro, com seus violentos contrastes entre recantos sombrios, povoados de assassinatos, e zonas de luz cheias de gargalhadas. Todo esse mundo me foi revelado, ao mesmo tempo, pelo circo, onde travei conhecimento”, define-se.
Ariano possui uma fala que, aos 84 anos, atrai atenção, simpatia, reflexão e graça dos jovens. Talvez pelo bordado utópico de suas bandeiras sócio-culturais. “Por que tratar por boóque o que podemos chamar de livro? Não é muito mais bonito?”, lembro dele falando isso para uma plateia de jovens, que sempre se rendem ao escritor. Sempre. Veja, neste vídeo a seguir, com que singeleza ele se expressa numa passagem bem curiosa e divertida e o quanto é mesmo fácil encantar-se por ele.


Sua forte influência foi o pai, João Suassuna, que ainda era governador da Paraíba quando Ariano nasceu, em 1927. Foi assassinado na Revolução de 30. É comum ver Ariano inseri-lo em suas entrevistas, mesmo quando o assunto não o chama diretamente. Tem orgulho em dizer que o amor pelo sertão é herança dele. Comove, ao citar trechos de escritas do pai.
Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da lembrança, dos depoimentos dos outros, das palavras que o pai deixou”, revelou, emocionado, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1989.
O nosso Ariano só usa alpercatas e roupas feitas por costureiras populares do Recife, onde foi morar ainda jovem, para estudar. Diz representar o ‘Brasil real’. Até mesmo seu uniforme de ingresso na ABL foi feito por duas profissionais recifenses. Uma insurreição pacata, mas muito bem representada. O mais bonito em Ariano, no entanto, é preferir a simplicidade quando poderia apresentar-se complexo e ter acesso fácil à casta intelectual brasileira. Mas ele tem outros propósitos. Chamaria de uma natural predileção pela paisagem árida e tudo que a ela possa remeter, mesmo como puro simbolismo.
Surpreendentemente nunca saiu do Brasil, porém é homem que domina a literatura mundial. É capaz de citar trechos de obras de Camus a Thomas Mann, de Balzac a Euclides da Cunha, seu grande inspirador. Diz o capítulo, explica o diálogo, faz o que quer. Já traduziu obras estrangeiras, o que não o orgulha. Quando perguntado quantas outras línguas ele domina, Ariano é apressado em dizer que nenhuma. Com insistência, diz que arranha no francês, entende um pouco de alemão e lê o inglês. Em se tratando de Ariano, não é modéstia; ele evita ser paradoxal. Explica que saber várias línguas foi importante numa época em que as grandes obras não eram editadas em português. Sobrevivência literária de um poeta com sede.
É formado em Direito. Entre 1952 e 1956 entregou-se ao mundo jurídico, mas nunca deixou de escrever. Foi em 1955, em paralelo a este universo das leis, que escreveu a obra que lhe rendera a Medalha de Ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais – Auto da Compadecida, que já teve duas versões adaptadas para o cinema (em 1969 e em 2000) e uma em microssérie de TV (em 1994).
“A Pedra do Reino”, de 1971, sua ficção preferida, é considerada um marco na literatura nacional. Segundo promete, há uma ainda mais representativa em conclusão. O autor tem 33 obras editadas, entre romances, livros de poesia, dramas roteirizados, teses culturais e outros gêneros, com traduções para o inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e polonês. Afinal, Ariano também é plural. Seu texto, no entanto, é involuntariamente original. Beber de sua literatura é se embrenhar no conhecimento, na luz, na força da mais limpa cultura nordestina que ele, generoso, nos entrega de mão beijada.  

4 comentários:

  1. O filme é de 2000? Caramba! Ainda consigo lembrar de um monte de falas! Ariano Suassuna é muito bom mesmo!

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  2. Foi lançado em 15 de setembro de 2000, para ser bem precisa. Devemos considerar, porém, as frequentes reprises na TV, o que nos faz estar em contato constante com a obra. Mas, cá entre nós, as falas são mesmo memoráveis.

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  3. Cris, muito prazer! Também sou blogueira e certamente tenho muito a aprender com você!

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  4. E cadê o link do seu? Acho feio ficar adulando, fazendo propaganda, mas nesse caso sou eu que estou pedindo, praticamente implorando...(risos) A divulgação do blog tem que ser comedida, senão vira café requentado - o povo até toma (por consideração), mas ninguém tem prazer. =D

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